Por Lincoln Assis de Astrê
Em 2005, o Brasil foi sacudido por uma das mais graves denúncias de corrupção já registradas em sua história recente. O então deputado federal Roberto Jefferson revelou ao país a existência de um esquema sistemático de compra de apoio político no Congresso Nacional, que ficou conhecido como o escândalo do mensalão.

Deputados da base aliada recebiam mesadas mensais em troca de votos a favor do governo. Um esquema institucionalizado, alimentado por recursos públicos desviados, e sustentado por uma lógica perversa de poder.
As consequências foram imediatas: investigações intensas, julgamentos no Supremo Tribunal Federal, prisões de ministros, parlamentares e dirigentes partidários. Pela primeira vez, parte da elite política sentiu o peso da Justiça.
Mas, agora, vinte anos depois, a pergunta que ecoa é inevitável:
Por que o Brasil não conseguiu, em duas décadas, criar mecanismos eficazes para prevenir novos escândalos?
1. Combate à corrupção ainda é reativo
Desde o mensalão, o país enfrentou outras crises de corrupção, como a Operação Lava Jato e o esquema das emendas do “orçamento secreto”. Em todas elas, o padrão se repetiu: escândalo, investigação, punição pontual — e depois o silêncio. Não há uma política permanente, sistêmica e articulada de prevenção. O Estado reage ao crime após o dano, mas pouco faz para impedir que ele ocorra.
2. Um sistema político que estimula a barganha
O modelo de presidencialismo de coalizão se mantém intacto. Com dezenas de partidos em busca de cargos e recursos, a governabilidade se transforma em moeda de troca. O resultado é o loteamento de ministérios, autarquias, emendas e contratos. Um ambiente propício para a corrupção sistêmica e silenciosa, que opera nas sombras do poder.
3. A impunidade como regra e incentivo
Apesar das condenações do mensalão, muitos dos envolvidos voltaram à cena pública. Outros tiveram suas penas reduzidas, ou mesmo anuladas por decisões judiciais. A Lava Jato, que parecia ser uma evolução no combate à corrupção, foi desmantelada. A mensagem é clara: no Brasil, quem tem poder quase sempre encontra um jeito de escapar.
4. Instituições fragilizadas e politizadas
Órgãos de controle e fiscalização — como o Ministério Público, os Tribunais de Contas, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União — deveriam ser os pilares da integridade pública. No entanto, sofrem com cortes orçamentários, interferências políticas e tentativas constantes de enfraquecimento legal. Em vez de fortalecermos essas estruturas, permitimos que se tornassem alvos de disputas e desconfiança.
5. A omissão da sociedade
Por fim, a corrupção também sobrevive da apatia popular. Uma parte significativa da população relativiza ou aceita o erro, desde que o político “traga obras” ou “resolva problemas locais”. Falta uma cultura de cidadania ativa, que fiscalize, cobre e participe da construção de um Estado mais ético. Sem isso, nenhuma reforma será suficiente.
Conclusão
Vinte anos se passaram desde que Roberto Jefferson denunciou o mensalão. Muito foi exposto. Pouco foi transformado. Continuamos assistindo a novos esquemas, novas denúncias, novas decepções — como se fosse um ciclo inescapável.
O tempo passou, mas a lição ainda não foi aprendida.
E talvez o maior escândalo seja justamente esse.