A solidez de uma democracia se mede, entre outros fatores, pela capacidade de um Estado aplicar suas leis com justiça, equilíbrio e proporcionalidade.

Quando essas premissas são violadas, o risco de transformarmos o Direito Penal em um instrumento de exceção é real — e infelizmente já é visível no Brasil.
É dentro desse contexto que se insere a urgente necessidade de revogação dos artigos 359-L e 359-M do Código Penal, que tratam, respectivamente, dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, inseridos pela Lei nº 14.197/2021.
- A desproporcionalidade das penas aplicadas
Desde os protestos de 8 de janeiro de 2023, milhares de cidadãos foram enquadrados nesses dois tipos penais. Alguns foram condenados a mais de 14 anos de reclusão sem qualquer prova de violência real, uso de armas ou participação em estrutura organizada.
Uma das decisões mais emblemáticas envolveu um cidadão condenado por ter borrifado espuma de barbear em uma estátua. Ainda que se reprove o ato, seria essa uma conduta compatível com o conceito de “golpe de Estado”?
Enquanto isso, traficantes de drogas flagrados com meia tonelada de cocaína, ou criminosos armados com fuzis de guerra, são beneficiados com decisões de habeas corpus, nulidades processuais ou penas mais brandas — inclusive com progressão rápida ao regime semiaberto.
Essa inversão de valores gera uma percepção de injustiça que corrói a confiança nas instituições. Quando o Judiciário trata mais severamente um manifestante desarmado do que um traficante internacional, não estamos diante da aplicação da lei, mas de sua distorção. - Insegurança jurídica e ampla margem para abuso
Os artigos 359-L e 359-M apresentam redação vaga e elástica, permitindo interpretações subjetivas que desrespeitam o princípio da legalidade estrita do Direito Penal.
Termos como “abolir o Estado Democrático de Direito” ou “tentar depor o governo” não têm delimitação técnica precisa. Isso abriu margem para que pessoas comuns, muitas sem formação política ou jurídica, fossem tratadas como se estivessem articulando um golpe militar.
O Direito Penal, por sua própria natureza, exige tipicidade fechada, taxatividade e objetividade, sob pena de se transformar em ferramenta de repressão arbitrária — exatamente o que os constituintes de 1988 quiseram evitar. - O uso político do Direito Penal: um risco para todos
O sistema penal não pode ser usado para combater adversários ideológicos, sob pena de abrir um perigoso precedente. Hoje, os atingidos são manifestantes conservadores. Amanhã, poderão ser sindicalistas, líderes indígenas ou militantes de esquerda.
A criminalização da dissidência é incompatível com a democracia. O Estado pode e deve punir excessos, destruição de patrimônio, agressões ou atentados reais. Mas deve fazê-lo com base em provas objetivas, usando os instrumentos penais já existentes, como dano qualificado, incitação ao crime, resistência, entre outros.
A criação e uso de tipos penais “excepcionais” abre a porta para o autoritarismo legalizado. - Por que revogar (e não apenas reformar)
A solução mais correta, mais eficaz e mais rápida é a revogação pura e simples dos artigos 359-L e 359-M. A razão é lógica: ao revogar esses tipos penais, opera-se automaticamente a retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, da Constituição Federal), extinguindo as condenações já impostas com base nesses dispositivos.
Se apenas houver “reforma” ou “ajuste”, os condenados permanecerão presos até novo julgamento ou reinterpretação — o que levará anos, perpetuando injustiças. Com a revogação, a reparação será imediata, legal e constitucional. - O papel do Congresso Nacional
Cabe ao Parlamento a responsabilidade de corrigir distorções legislativas e restabelecer o equilíbrio institucional. A revogação dos artigos 359-L e 359-M é um gesto de independência e compromisso com a democracia real — aquela que respeita direitos, pune com justiça e ouve o clamor do povo.
Não se trata de anistiar criminosos. Trata-se de devolver à sociedade o senso de justiça que a Constituição exige.
Conclusão
Revogar os artigos 359-L e 359-M é um ato de responsabilidade, justiça e respeito à Constituição. É reconhecer que houve excesso. É devolver liberdade a quem foi punido indevidamente. É proteger o Estado de Direito dos abusos de seus próprios guardiões.
Que o Congresso Nacional cumpra seu dever histórico: restabelecer o equilíbrio, aplicar a lei com justiça e impedir que o Direito Penal continue sendo usado como arma política.